sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Será que o Jesus histórico real permanecerá de pé? Os Evangelhos como fontes de informação histórica sobre Jesus


Professor de Novo Testamento no Palmer Theological Seminary,
Eastern University



Por que os estudiosos supõem que os discípulos de Jesus eram transmissores menos confiáveis de seus ensinamentos do que os outros discípulos o foram para os seus professores? Se os discípulos de Jesus respeitavam-no como mais que um professor, e não menos do que um professor, este respeito
certamente não justifica deliberadamente deturpar seu ensino. A "memória coletiva” de seus discípulos poderia corrigir lembranças individuais durante as recontagens da história de Jesus.

Estudiosos reconstroem o Jesus histórico de várias maneiras. Muitas vezes eles fazem isso com base em quais fontes sobre Jesus eles privilegiam e quanto eles aceitam como confiável nessas fontes. Alguns estudiosos aceitam muito pouco nos Evangelhos como confiável, portanto, oferecem às vezes reconstruções do silêncio que permanece - os argumentos do silêncio. Por causa de sua confiança mínima nos Evangelhos, outros se sentem livres para jogar alguns elementos da tradição evangélica uns contra os outros - embora normalmente estes elementos não são intrinsecamente contraditórios.

Nenhuma destas abordagens atendem a maneira que gostaríamos de ler documentos comparáveis não associados a uma religião mundial. Isto é, se essas fontes envolvessem um imperador ou filósofo do século I, provavelmente nós iríamos lê-los menos céticos. Nós não curvaríamo-nos tanto para trás para se desculpar por nossas fontes e para proporcionar uma leitura minimalista; poderíamos simplesmente utilizar as melhores informações disponíveis para oferecer a mais provável reconstrução possível. A maioria do que se segue tem paralelos em um argumento mais amplamente detalhado nos capítulos 5-10 do meu recente Historical Jesus of the Gospels [1].

Os Evangelhos como Biografia

Leitores ao longo da maioria da história se aproximaram dos Evangelhos como "vida" (bioi) de Jesus. Os autores contemporâneos dos Evangelhos estavam familiarizados com esse gênero, que é atestado tanto antes como após o seu tempo. No entanto, essas biografias antigas diferem em muitos aspectos das biografias modernas. Muitas vezes os biógrafos antigos dispunham essas obras topicamente em vez de cronologicamente, e incidiam sobre os elementos mais relevantes da vida da pessoa (como a sua carreira pública, ensino, ou o martírio) ao invés de tentar resumir a vida como um todo. Por esta razão, grande parte da academia do século XX, rejeitou a classificação de "biográfico" para os Evangelhos. Nas últimas décadas, como os estudiosos analisaram as analogias mais antigas para os Evangelhos, tornou-se cada vez mais claro que os Evangelhos foram concebidos como biografias, embora sim antiga e não tais com as modernas [2].

Mas o que era uma antiga biografia? Estudiosos têm, por vezes, agrupado uma variedade de trabalhos nesta categoria, alguns deles claramente diferente da forma tradicional da biografia atestada na maioria dos biógrafos do período [3]. Alguns estudiosos têm colocado algumas novelas nesta categoria, mas esses trabalhos mostram pouco interesse em informações históricas ou fontes.

Dada a clara dependência sobre fontes de Mateus e Lucas, os Evangelhos parecem pertencer à linha majoritária do gênero que trabalhou na base de informações. (Desde que, sem grande esforço, dependem de Marcos, é claro que os primeiros intérpretes de Marcos, escritos menos de uma geração depois dele, conceberam Marcos como uma biografia igualmente; e dada a cronologia relativa, estes intérpretes estiveram, sem dúvida, mais bem informados do que nós).

Biografias antigas, como os clássicos notam, eram primariamente obras históricas. Biógrafos normalmente escreviam em um nível mais popular do que os escritores de histórias de vários volumes, mas eles procuravam transmitir informações. Como escritores, biógrafos poderia tentar entreter, mas em contraste com romances, eles também procuravam informar, usando o material primário de que dispõem. Os biógrafos, tal como os historiadores, tiveram agendas: eles buscavam explicitamente oferecer lições de moral, e muitas vezes traíam perspectivas políticas ou mesmo teológicas particulares. Mas essas lições caracterizaram biografias muito mais do que novelas e foram oferecidos programas com base nos relatos recebidos sobre uma pessoa, e não pura imaginação.

Essas observações não significam que as biografias sempre tinham suas informações corretas. No entanto, muitas vezes podemos distinguir quais as biografias tendem a ser mais precisas. Biógrafos e historiadores escrevendo sobre figuras recentes tendem a ser bem mais freqüente, do que aqueles que escrevem sobre antigas. Aqueles que escrevem sobre personagens que viveram séculos antes tinham que depender de fontes que tipicamente incluíam muitos desenvolvimentos lendários, elementos mais raros nos trabalhos sobre eventos menos de um século de idade. (Historiadores antigos reconhecem estas diferenças.) Nós às vezes também podemos testar biógrafos contra outras fontes existentes, para observar quais escritores ficaram mais próximos das suas fontes.

Tais considerações sobre as biografias antigas são bastante relevantes para a forma como abordamos os Evangelhos. Os Evangelhos endereçaram-se a acontecimentos facilmente adentrados duas gerações de sua composição; suas fontes datam para dentro de uma geração dos eventos. Ao compará-los uns com os outros, é claro que Mateus e Lucas (quem nós podemos melhor testar) usaram as suas fontes com muito cuidado, pelos padrões antigos (como uma sinopse dos evangelhos irá revelar). (Como E.P. Sanders e outros observam, se os escritores estivessem inventando histórias livremente, não teríamos Evangelhos "Sinóticos", ou seja, Evangelhos com muita sobreposição no seu material.) Isto não significa que esses autores se preocuparam em contar cada detalhe exatamente da maneira que eles receberam - a maioria das audiências antigas esperava dos escritores exercer mais liberdade do que isso - mas que, pelas normas que se aplicam a seus contemporâneos, os Evangelhos são fontes extremamente úteis.

Nossos mais antigos escritos sobre Jesus

A maioria das fontes mais antigas que temos sobre Jesus fora dos Evangelhos (por exemplo, algumas linhas em Josefo) oferece apenas trechos sobre Jesus. Enquanto isso, a autenticidade das fontes mais tardia é geralmente questionável. Não há consenso sobre a data de alguns evangelhos gnósticos, mas a maioria dos estudiosos data as primeiras das obras (que são coleções mais de ditos do que da "vida" de Jesus) para cerca de 70 anos após o Evangelho de Marcos. A maioria dos outros "evangelhos" (geralmente romances ou coleções de provérbios) são gerações ou séculos depois.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Crença em Deus em uma Era de Ciência

A Obra de John Polkinghorne, Belief in God in an Age of Science, baseado em suas Terry Lectures na Universidade de Yale, explora as consequências radicais das revoluções recentes na ciência para o conflito entre o ceticismo e a fé. Aqueles familiarizados com Polkinghorne - um eminente físico da Universidade de Cambridge, que acontece também ser um sacerdote anglicano - vai encontrar aqui uma destilação das reflexões anteriores, bem como alguns novos argumentos. Teólogos e cientistas vão encontrar aqui alimento para o pensamento, e filósofos deveriam prestar atenção - para o casamento de John Polkinghorne da percepção científica e teológica,que bem pode pressagiar uma nova fase "pós-secular" no pensamento ocidental.

O Ocidente está entrando em um novo capítulo em sua história intelectual, e John Polkinghorne é um de um punhado de cientistas que já tenham, por assim dizer, conseguido ler algumas páginas à frente no texto. Belief in God in an Age of Science não é uma mera reedição da cansativa controvérsia “religião x ciência”. O livro vale a pena ler, não só pelos seus muitos insights, mas também porque pressagia um novo estilo de pensamento que nos leva além, não só do moderno, mas também do pós-moderno – uma sofisticada e cientificamente informada perspectiva que não deixa de ser animada por uma firme e racionalmente suportada religiosa.

Como físico, Polkinghorne entende o que muitos pensadores ocidentais, sem formação científica, ainda têm de perceber: que a ciência recente abalou os fundamentos materialistas da visão de mundo secular moderna. Filosofia moderna, de Hobbes em diante, tomou o rumo de um científico mecanicismo/materialismo, a partir de uma visão do universo como meramente "matéria e movimento". No entanto, ultimamente a física e a cosmologia já correram adiante, deixando mais esta perspectiva para trás.
Uma característica fundamental do cosmos apresentado pela nova física é a sua amistosidade a Deus. A mecânica newtoniana levou à visão de um universo mecânico menos o Relojoeiro. Mas quanto mais os cientistas investigaram a evolução cósmica, mais eles se deram conta, na frase de Fred Hoyle, que o universo é um "arranjo planejado”. Para a vida humana emergir, o mecanismo cego da seleção natural não foi suficiente; pelo contrário, as leis da física tinham que ser programadas minuciosamente desde o momento do big-bang. Uma variação infinitesimal em qualquer uma das constantes físicas teria impedido a vida.

Nos dias presentes a cosmologia, portanto, deixa-nos com uma escolha: ou o universo foi criado por um designer inteligente, ou é uma coincidência enorme e incrível de forma que nós mal podemos imaginar. Versando sobre o filósofo John Leslie, Polkinghorne escreve que existem duas possibilidades lógicas: "que Deus é real, e/ou existem muitos e variados universos", sendo este último invisível, indemonstrável e, provavelmente, não detectável em princípio. Polkinghorne não insiste no ponto. Embora a hipótese de Deus não seja "logicamente coercitiva", como ele coloca, facilmente se levanta contra a alternativa.

No entanto, o interesse de Polkinghorne não está em provar a existência de Deus, mas sim em mostrar como a teologia pode "reivindicar" um "entendimento intelectualmente satisfatório", completando crucialmente a ciência. Ele também procura mostrar como a teologia e a ciência, no diálogo, podem informar e corrigirem-se umas às outras. Seu alvo, em certo sentido, é a moderna formulação-padrão da relação religião-ciência, que cedeu à ciência toda a esfera da verdade objetiva e - especialmente desde Friedrich Schleiermacher – a teologia expedida cada vez mais ao subjetivismo e à especulação vazia. Quando se trata de ciência, Polkinghorne opõe-se ao positivismo ingênuo. Quando se trata de teologia, ele insiste na necessidade de uma maior preocupação com a verdade objetiva.

A ciência, Polkinghorne enfatiza, não é livre de valores, mas sim uma atividade carregada deles. Considerações tais quais a "beleza" e "elegância" da teoria são "fundamentais" para a física; o discurso científico depende de virtudes morais, como " honestidade "e "generosidade de partilha intelectual".

Mas ele resiste a qualquer noção de que a realidade é "socialmente construída". Da mesma forma, ele reprova alguma teologia de despreocupação com a verdade simples, no sentido literal do termo. Ele defende o que ele chama de "realismo crítico" e "bottom-up" [expressão que significa “emergência”, “de baixo para cima”, que na linguagem das ciências da complexidade se referem a sistemas que, pela ação de seus agentes, adquirem propriedades novas em níveis mais acima que não constam nos de baixo – Nota do Tradutor] da teologia, favorecendo interpretações bastante ortodoxas e literais dos principais mistérios cristãos, incluindo a encarnação, redenção, e até mesmo (como ele deixou claro em The Faith of a Physicist) o nascimento virginal.

Poderá a nova física gerar uma nova teologia? Polkinghorne oferece uma iluminação fascinante sobre a questão do livre-arbítrio e a divina providência, observando que o estado da arte na física - via e caos teoria quântica - tem deixado de lado o velho princípio do determinismo. Suas mais eloquentes observações referem-se ao que as leis da natureza dizem sobre o problema do mal, sugerindo que um divino "deixar-ser" é necessário para garantir a liberdade humana.

É da natureza de densos campos de neve que, por vezes, derrapam com a força destrutiva de uma avalanche. É da natureza dos leões que eles vão buscar suas presas .... é da natureza da humanidade que às vezes as pessoas vão agir com generosidade altruísta, mas por vezes com o egoísmo homicida. Que estas coisas são assim não é gratuito ou por descuido ou divina indiferença. São os custos necessários ao dom dado à criação por seu Criador de ter a liberdade de ser si mesma. Teólogos e cientistas vão encontrar alimento para o pensamento aqui, e os filósofos devem ter atenção - para o casamento de John Polkinghorne da percepção científica e teológica, que bem pode pressagiar uma nova fase "pós-secular" no pensamento ocidental.


* Resenha por Patrick Glynn - diretor adjunto da George Washington University Institute for Communitarian Policy Studies, é o autor de Deus: a Evidência - a reconciliação entre a fé e a razão no mundo atual.