quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Lutando por Justiça: Ideologias e Teologias de Justiça Social no Antigo Testamento

Contending for Justice: Ideologies and Theologies of Social Justice in the Old Testament
Walter J. Houston.
Contending for Justice: Ideologies and Theologies of Social Justice in the Old Testament. Library of Hebrew Bible/Old Testament Studies 428. Rev. edn. London: T. & T. Clark, 2008. xxi + 274 pp.


Esta é uma revisão de um livro do mesmo título, que foi originalmente publicado em 2006. Como Walter Houston explica no prefácio, a oferta pelos editores para a produção de uma edição de bolso possibilitara a oportunidade de incorporar novas idéias e modificar algumas de suas interpretações anteriores. A comunicação com o estudioso israelense Avram Faust da Universidade Bar-Ilan tinha impactado a sua opinião, o que levou Houston fazer algumas mudanças, mais notadamente para o segundo capítulo.

O autor é um Professor Emérito no Mansfield College, Universidade de Oxford, e um Professor-Pesquisador Honorário na Escola de Artes, Histórias e Culturas da Universidade de Manchester. Durante as últimas duas décadas, ele publicou vários textos de fundo relacionados com a ética social do Antigo Testamento. Partes dessas publicações anteriores reaparecem neste trabalho. Houston oferece uma análise detalhada de um largo campo de textos e
insights apropriados de estudos de ciências sociais, em especial o trabalho de Ronald Simkins sobre clientelismo no antigo Israel (embora de uma forma mais sutil do que na primeira edição).

No Capítulo 1 ("Textos e Contextos"), Houston enuncia os focos gêm
eos de “Lutando por Justiça”. Seu pressuposto mais básico de trabalho é indicado na linha de abertura do livro. Este trabalho é uma "tentativa de compreender textos concernentes à justiça social no Antigo Testamento, ou Bíblia Hebraica, como discurso com finalidade persuasiva na identificação de situações sociais na sociedade antiga"(p. 1). Portanto, Houston toma por sua tarefa principal a de reconstruir as configurações de classe, interesses e conflitos de quem produziu os textos éticos do Antigo Testamento (Nota subtítulo do livro: Ideologias e Teologias da Justiça Social no Antigo Testamento).

A literatura que temos diante de nós, acredita ele, teria sido escrita por elites, e não pelos camponeses que compunham a maioria da população, no entanto, é evidente que o que é encontrado no Antigo Testamento é empático aos menos afortunados (e isto não seria de surpreender dentro de um sistema de clientelismo que estava funcionando corretamente). Em segundo lugar, como um cristão, ele está convencido de que, embora o Antigo Testamento tem visões éticas inevitavelmente ligadas aos seus diversos contextos, também tem uma palavra que transcende as posições sociais e épocas: "Minha convicção central deste livro é que o conhecimento das raízes sociais das idéias da Bíblia e da linguagem da teologia social e da moralidade e os fins sociais que eles servem nos permitem discriminar entre eles, e reconhecer aqueles com raízes mais profundas do que as necessidades do momento e os interesses da classe hegemônica "(p . 15). Essa realidade “mais profunda" que a Bíblia busca, e a qual Deus defende em todos os tempos e lugares, é a justiça social; é aí que reside o seu valor teológico em curso e relevância ética (daí o título, “Lutando por Justiça”).
 
O capítulo dois ("O Contexto Social da Antiguidade") apresenta a compreensão de Houston da realidade social do antigo Israel. É nesta conjuntura que a influência de Faust é mais evidente.
O capítulo começa com uma discussão sobre a vida da aldeia, que destaca os pontos comuns e diferenças regionais, alguns dos quais envolvendo a posse da terra e relações com as áreas urbanas. O resto do capítulo é um útil e criterioso exame e avaliação de diversos modelos da dinâmica social e as estruturas do antigo Israel e Judá. Ele considera quatro em cada turno: o capitalismo rentista (O. Loretz, B. Lang), sociedade de classes antigas (H. Klippenberg), o estado tributário (N. Gottwald e outros), e o clientelismo do sistema sócio-cultural (R. Simkins).

Houston critica o que ele sente que s
ão os erros e excessos de cada um. Sua reconstrução do contexto é que durante o período monárquico não houve estabelecimento de latifúndios em detrimento dos pobres e nenhuma economia controlada centralmente, como a vida na cidade em muitos lugares, continuou sem muitas interferências. Os reinos do Norte e do Sul, acredita ele, surgiram de sociedades segmentares com um impulso igualitário, e muitas zonas rurais teriam continuado com as estruturas tradicionais de parentesco, embora nesse tempo as cidades e centros administrativos ficaram cada vez mais estratificados. As mudanças drásticas teriam vindo como o resultado do impacto dos impérios que regeram esta área sob status de vassalagem ou eventualmente conquistaram-na.


domingo, 6 de setembro de 2009

Como a Ressurreição Faz Sentido?

Como entender a esperança cristã da ressurreição do corpo no contexto da ciência moderna? Um físico e Membro da Royal Society, e sacerdote anglicano, explica como ele traz suas pesquisas científicas para dar suporte a sua fé pascal. John Polkinghorne fora outrora presidente do Queens' College Cambridge.

Que é uma pessoa humana? Uma batidinha de leve na cabeça com um martelo vai mostrar que nós dependemos de uma forma essencial em nossos corpos. Portanto, somos simplesmente organismos, seres puramente materiais? E sobre a alma? Em muito na história do pensamento cristão, e em muito na piedade popular, as pessoas têm o pensamento de si como se fossem anjos noviços. Nesse caso, o "verdadeiro eu" seria um componente espiritual, aprisionado em um corpo, mas aguardando libertação com a morte. Hoje, essa é uma crença cada vez mais difícil de sustentar.



Estudos de danos cerebrais e os efeitos das drogas mostram como nossas personalidades são dependentes do estado do nosso corpo. Charles Darwin ensinou-nos que a nossa ascendência é a mesma que a dos outros animais. A Terra foi uma vez sem vida e a vida parece ter surgido a partir de interações químicas complexas. Muitos cientistas pensam que nós não somos nada,mais que coleções de moléculas e eles escrevem livros populares para afirmar esta crença.

No entanto, isso também é uma coisa muito esquisita para se crer. Poderia apenas um monte de produtos químicos escrever Shakespeare ou compor “O Messias” de Handel, ou descobrir as leis da química, para essa questão? Há algo mais para nós do que o meramente material.
No entanto, o que quer que o algo extra seja, de forma segura é intimamente ligado ao nosso corpo. Nós somos um tipo de “conjunto de códigos”, mente e corpo intimamente relacionados e não inteiramente destacáveis um do outro. É um enigma.

Curiosamente, uma pista sobre como lutar com o problema pode ser oferecida a nós pela própria ciência moderna. Pois um novo tipo de paradigma científico está em cena. É chamado de
"
teoria da complexidade"; estudemos exemplos particulares até apenas o alcance do estágio da história natural.

Físicos naturalmente começaram por considerar os mais simples sistemas disponíveis. Afinal, eles serão mais fáceis de entender. Recentemente, o uso de computadores de alta velocidade ampliou nossa gama científica. Como sistemas complexos começaram a ser explorados, uma realização inesperada ocorreu. Frequentemente esta acabara tendo um comportamento bastante simples, em geral ordenada em algum padrão surpreendente.

O aquecimento de água em uma panela pode fornecer um exemplo. Se o calor é aplicado com cuidado, a água circula a partir do fundo de uma forma notável. Em vez de apenas fluir daí de qualquer maneira, ela forma um padrão de células hexagonal, um pouco como um favo de mel. Este é um fenômeno espantoso. Trilhões de moléculas têm de colaborar e se mover juntas, a fim de gerar o padrão. O efeito é um exemplo simples de um novo aspecto da natureza que os cientistas estão apenas começando a aprender.

Tradicionalmente, os físicos pensaram em termos de bits e peças que compõem um sistema complexo. O intercâmbio de energia entre esses bits e peças parece extremamente complicado. Acontece, porém, que se você pensar sobre o sistema como um todo, pode haver esses padrões de comportamento global notavelmente ordeiro. Em outras palavras, existem dois níveis de descrição. Um envolve energia e bits e pedaços. A outra envolve todo o sistema e seu padrão. Neste segundo nível, usando linguagem computacional, poderíamos dizer que o que temos de refletir a respeito é sobre a informação que especifica o padrão.

Nós nos acostumamos com o conceito de ciberespaço - o domínio da informação acessível através de nossos computadores. Esse mundo é um artifício humano, um mundo de realidade virtual. Estamos tão habituados à idéia, de fato porque é tão inconscientemente familiar, que vivemos em um mundo de intrínseca capacidade de geração de informação, o mundo da realidade verdadeira e assim o mundo da criação de Deus.



quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A Narrativa do Éden - Um Estudo Literário e Histórico-religioso de Gênesis 2-3

Traduzimos a resenha de uma explêndida obra de análise da Narrativa do Éden à luz de reflexões sobre as teologias no Primeiro Testamento. Excelente obra que expõe uma visão equilibrada e sintonizada com uma leitura ampla e total das Escrituras, com a análise literária e estudo da composição veterotestamentária. Seria muito bem vinda aqui no Brasil, que carece sobremaneira de bons trabalhos a respeito.
Permito-me discordar da avaliação final do resenhista. Penso que se averiguando ao longo do pensamento deuteronomista, a imagem da árvore da vida seria mais realçada como a recompensa que adviria caso houvesse a fidelidade do ser humano - temática deuteronomista, que se preocupa de forma enfática com a apostasia do povo. Assim visualizamos também como se inserem as imagens de bênção e maldição. O “comando divino” no caso, poderia ser encarado como a primeira aliança, a imagem primária da Aliança com Israel. Oséias 6.7 seria um material que embasaria tal perspectiva, onde a tradição do profeta explicita uma compreensão neste sentido.

Mettinger, Tryggve N. D.
The Eden Narrative: A Literary and Religio-historical Study of Genesis 2–3
Winona Lake, Ind.: Eisenbrauns, 2007. Pp. xvii + 165. Hardcover.

Howard N. Wallace
United Faculty of Theology
Melbourne, Australia

Pode crescer algo de novo no jardim do Éden? Alguém poderia ser desculpado por pensar que os estudiosos possam ter esgotado todas as opções quando se trata da interpretação do Gn. 2-3. É devido a ambos os meandros deste texto bíblico e ao rigor da análise do Professor Mettinger que encontramos neste livro novas reflexões sobre esta matéria familiar. Este é um trabalho que vai estimular tanto o estudioso de Gn. 2-3 e definir antes que o estudante ainda um breve estudo de forma clara e completa este clássico texto.
 O ponto de partida para este estudo foi a observação de que em ambos, os Mito Adapa e os Épico de Gilgamesh, sabedoria e imortalidade estiveram intimamente ligados. "Será que essa combinação de motivos dois textos da Mesopotâmia é capaz de lançar luz sobre a Narrativa do Éden?"(xi), considerando que a sabedoria e a imortalidade são simbolizadas pelas duas árvores na história bíblica? A relação das árvores do conhecimento e da vida no Éden tem sido frequentemente questionada por estudiosos, e foram feitas sugestões de que a sua existência indica diferentes fontes Gn.2-3 ou que são de alguma outra forma doublets[1].


Mettinger decidiu determinar por si próprio "quantos sons de árvores especiais a ecologia exegética poderia tolerar no Jardim do Prazer"(p.xi) e acima de tudo o que o(s) tema(s) da narrativa é/são. A complementaridade das duas árvores continua a ser uma hipótese de trabalho ao longo de todo o livro. Mettinger delineia novos princípios para o seu trabalho no capítulo 1. Assim também, investigando o tema da narrativa em Gn 2-3, ele pergunta se o "poeta", como ele chama o último escritor da narrativa, desenvolvera a presente narrativa a partir de uma história pré-literária sobre o primeiro homem no Éden. Tal verificação exige uma abordagem histórico-tradicional.

No capítulo 2 Mettinger compromete uma "
análise narratológica da Narrativa do Éden", examinando a unidade da narrativa final, as cenas e o enredo, os personagens, e a "focalização" (ponto de vista) e voz dentro da narrativa. O enredo, conclui, é acerca de um teste divino de obediência ao comando de Deus para o primeiro homem. A árvore do conhecimento é o objeto do teste, enquanto a árvore da vida é a recompensa potencial. O resultado da desobediência é que a morte torna-se o inevitável destino da humanidade. Neste contexto, o narrador, Deus, e o leitor estão todos conscientes do teste e da existência das duas árvores. Os personagens, no entanto, sabem somente de uma proibição de comer de uma árvore. Eles não têm conhecimento da existência da segunda, a doadora-da-vida. Nesta "perfeitamente integrada" narrativa, há também uma ironia especial desenvolvida quando o conhecimento dos personagens não é igual ao do leitor e outros. Este é particularmente o caso em relação à ambigüidade da designação de diferentes árvores como "no centro do jardim"(Gn 2:9, 3:3, pp. 36-37).

No capítulo 3, o foco desloca-se para o tema da narrativa, para ser distinguido do assunto, enredo, e motivos. Embora haja uma série de motivos dentro da narrativa (especialmente morte versus imortalidade) e o assunto possa ser um teste de obediência ao comando divino, o tema tem a ver com a desobediência e suas conseqüências. A tese associada é a de que "obediência ao mandamento conduz à vida, a desobediência à morte" (64). Mettinger, com base nos trabalhos de Eckart Otto em particular, defende que existem algumas afinidades entre Gn. 2-3 e textos deuteronomistas sobre testes divinos da obediência de Israel (51-54). Ele vê uma teologia deuteronomista de retribuição que operam na Narrativa do Éden. A história oferece uma base para a humana perda do Éden análoga à explicação deuteronomista da perda da terra através da desobediência. As duas árvores no Éden representam imortalidade e conhecimento, este último em termos de conhecimento universal, uma prerrogativa divina.

O quarto capítulo discute o gênero e função da narrativa do Éden. Em uma clara e cuidadosa
discussão, Mettinger argumenta que a narrativa do Éden preenche os critérios de "mito", tanto ao validar o ideal de obediência à lei e a vontade de Deus quanto ao explica as dificuldades do sofrimento e de morte na vida humana (70-74). Ele vai depois dizer que o poeta do Éden estava ciente de proceder ao nível do mito, mesmo que esse conceito não poderia ser expresso na linguagem e pensamento do hebraico antigo. A narrativa é amplamente representativa(126). Tryggve alega ainda no capítulo 4, que o papel da serpente em Gn.2-3 pode ser atribuído a um diálogo entre o autor e a precedente tradição do "mito da batalha do caos".

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Os Evangelhos como Testemunho


Este livro é o mais amplo e de maior peso que se encontra, na literatura recente, no tocante às discussões do caráter da composição, estilo e transmissão das tradições dos Quatro Evangelhos. Esta resenha do professor Blomberg foi a melhor encontrada em termos de apresentar sistematizadamente o maior número de problematizações que o livro levanta e em quê elas tocam, escolhida assim como apresentação da obra para os leitores em português.

Richard Bauckham, Jesus and the Eyewitnesses: The Gospels as Eyewitness Testimony. Grand Rapids and Cambridge: Eerdmans, 2006. xiii + 538 pp.

Jesus e as Testemunhas Oculares: Os Evangelhos como Testemunho das Testemunhas Oculares


Este é o último ano letivo que Richard Bauckham leciona em tempo-integral nas suas funções como professor de estudo do Novo Testamento e Bishop Wardlaw Professor na Universidade de St. Andrews, na Escócia, antes de sua aposentadoria. Podemos somente esperar que “Jesus e as Testemunhas Oculares” esteja longe de ser a última grande monografia que ele compõe.[1] Este trabalho poderá ser justamente o mais importante que ele já tenha escrito. Mas dada minha inclinação para a importância do tema da “Fiabilidade dos Evangelhos", a minha perspectiva pode ser ligeiramente tendenciosa!

Em um breve capítulo introdutório, Bauckham envolve-se no território lotado do campo de estudos relativo aos Evangelhos Canônicos para o Jesus Histórico. A palavra-chave que os Evangelhos a fornecem é "testemunho" - uma expressão com implicações tanto históricas quanto teológicas. Bons historiadores no antigo mundo mediterrâneo tinham muito em conta a participação em eventos tanto quanto proximidade com depoimentos de testemunhas oculares. Dependência mais distante de fontes escritas de segunda mão fora considerada menos exemplar. Mas testemunhos inevitavelmente refletem como uma ou mais pessoas recordam dos acontecimentos, criando assim seletividade e distintivas ênfases e formas de recontar a história, o que vemos nos Evangelhos do Novo Testamento tão bem.


No corpo do livro, Bauckham lança-se imediatamente para o caso dos testemunhos das testemunhas oculares por trás dos Evangelhos. O depoimento de Papias, datado ao mais tardar de 130 d.C., é suficientemente modesto de modo a trair nenhum sinal de exagero apologético. Tal como em trabalhos anteriores, Bauckham defende uma distinção entre o João, o Ancião e João, o Apóstolo nos escritos de Papias, e considera que o primeiro e não o último escreveu o Quarto Evangelho.
No que diz respeito aos Sinóticos, Bauckham monta um intrigante caso para o número de ocasiões em que personagens nomeados, não-apóstolos, poderiam ter funcionado precisamente como essas testemunhas e os seus nomes inicialmente teriam servido como fiadores para a tradição. Contra a longamente promovida lei de Bultmann de incrementos das distinções, quando se move de Marcos para os outros Evangelhos e então para os primeiros Evangelhos não-canônicos, os nomes são mais retirados do que são adicionados. Essa situação não se reverte até o quarto e quinto séculos, um tempo no qual poucas novas informações que já não houvessem sido preservadas eram suscetíveis de surgir.

Utilizando o
Léxico de Nomes Judaicos na Antiguidade Tardia, de Tal Ilan, Bauckham demonstra como quase todos os nomes nos Evangelhos repetem-se em outros lugares em outros documentos ou inscrições antigas, muitos deles distintivamente nomes palestinos, não suscetíveis de serem escolhidos por alguém escrevendo mais tarde na diáspora sem informações históricas acuradas. Até mesmo a freqüência de vários nomes corresponde aproximadamente à freqüência do catálogo de Ilan. As formas das listas dos nomes dos discípulos são registradas, juntamente com a sua ordenação e específica coleção das semelhanças e diferenças, e igualmente sugere-se que elas foram averiguadas como fiadoras da tradição.
Em seu prólogo, Lucas fala de obter sua informação de todos aqueles que foram "as iniciais testemunhas oculares e ministros da palavra", linguagem historiográfica estabelecida pretendida para alegar cuidadosa preservação das informações sobre a vida e os ensinamentos de Jesus. O primeiro e o último discípulo nomeado em Marcos, selecionado para uma menção especial ao chamamento dos quatro primeiros seguidores de Jesus e quando as mulheres são chamadas a dizer-lhes para encontrar-se com Jesus na Galiléia depois da ressurreição, é Pedro, talvez confirmando testemunho de Papias sobre Marcos confiando especialmente na tradição petrina. João contém uma inclusão similar concernente ao "discípulo amado" (supondo que ele é igualado com o discípulo anônimo dos dois mencionados em João 1:35, e não posteriormente identificado como André - v. 40), a testemunha ocular que autentica o testemunho do Quarto Evangelho.

Mais apoio para um pano de fundo petrino para Marcos vem dos quatorze locais em que o narrador começa no plural referindo-se aos discípulos, mas, em seguida, desloca-se para um desconhecido "ele" e continua no singular. No contexto, o "ele" quase sempre significa Jesus, mas o modo de narrar é estranho a menos que Marcos escolheu-o dentre um dos discípulos propriamente e, tendo em conta os locais em que o fenômeno ocorre, o interior de um núcleo de seguidores que foi utilizado para falar desta forma sobre o seu mestre, sem necessariamente referi-lo pelo nome. A notável ausência de um positivo, proeminente papel de Pedro neste Evangelho (ao contrário dos outros) é melhor explicado se o papel que ele desempenha nesta narrativa não está relacionado com os postos que ele viria a ocupar liderando a comunidade cristã. E, quando ele adentrara para a liderança, a negação de Jesus por Pedro seria recordada, mantendo-se estável e insistida em todos os quatro Evangelhos, a menos que Pedro havia autorizado a sua preservação?

Alguns personagens anônimos nos Evangelhos também podem ter funcionado como testemunhas oculares “guardiãs”, com os seus nomes omitidos em uma espécie de antigo plano de “proteção da testemunha”- o homem em cuja casa Jesus e os Doze comeram a última Páscoa, o homem cujo burro Jesus tomara emprestado para a chamada entrada triunfal, o homem nu que fugira do Jardim do Getsêmani, a mulher que ungiu Jesus (não nomeada até Evangelho de João mais tarde), e o homem que cortara a orelha do servo do sumo sacerdote e ele próprio servo (novamente não identificado até os dias de João). Bauckham indaga, também, se a completa ausência de Lázaro dos Sinóticos não é por esta mesma razão: nenhuma das primeiras tradições incluira o nome dele e elas foram fielmente registradas como foram recebidas. Apenas no final do primeiro século, quando indubitavelmente todos esses personagens que desempenharam importante papel nos acontecimentos que protagonizaram incluindo a crucificação de Cristo foram mortos, foi-se completamente seguro para seus nomes.

Nesta conjuntura, Bauckham volta ao testemunho de Papias para argumentar que Marcos desempenhou o papel não tanto como o "intérprete de Pedro”, mas como o seu "tradutor", que a frase frequentemente reproduzida "de acordo com as necessidades” (pros tas chreias) na realidade significa que Marcos usou a forma retórica grega de chreia (ou episódios), e que a a falta de “ordem” de Marcos refere-se à falta de ordem cronológica (ou mesmo alta ordem literária) dado seu contorno tópico e estilo mais simples e estilo de escrita mais oralmente baseado. O testemunho de Papias sobre Mateus em seguida cai muito bem no lugar, com logia referindo-se a mais do que apenas ditos isolados e hermeneuta novamente significando "para traduzir" (do aramaico para o grego).

Uma seção particularmente útil e persuasiva volta à recente onda de estudos da tradição oral, história relembrada, memória social, e coisas do gênero. Bauckham está insatisfeito com uma taxonomia (tal como apresentado por
K.E. Bailey), que oferece apenas as três opções de “formal e controlada”, “informal mas controlada”, ou ”informal e descontrolada tradição”. Em essência, ele opta por uma posição intermédia entre a primeira e a segunda destas duas. Uma das razões para fazê-lo decorre do estudo de Vansina das tradições orais em culturas africanas primitivas, no qual (fictícios) contos e (históricos) relatos são distintos e maior cuidado é tomado para preservar o último. Esta distinção "refuta todas as alegações que os estudiosos dos Evangelhos, a partir da crítica da forma em diante, têm feito no sentido de que os primeiros cristãos, na transmissão das tradições de Jesus, não teriam feito qualquer distinção entre o tempo passado da história de Jesus e seu próprio presente porque sociedades orais não fariam essas distinções" (p. 273). Com Lemcio, as inúmeras distinções entre as ênfases dos Evangelhos sobre Jesus e do resto do acentuado no Novo Testamento reforça ainda mais a convicção de que os dois períodos foram mantidos separados nas mentes dos primeiros cristãos.
Empurrando a questão um pouco mais longe, Bauckham demonstra que não há apoio antigo para a idéia do “anônimo coletivo”. Tradições são sinalizadas e identificadas com as fontes. Às vezes essas fontes formam um grupo, como com os Doze, mas o perigo em aplicar o estudo da memória social associado com Halbwachs, subitamente popular em vários círculos bíblicos, é que nenhum espaço é deixado para memórias individuais distintas. Três dimensões devem ser distinguidas: "(1) a dimensão social da recordação individual (2), a partilha de recordações de um grupo, e (3) memória coletiva" (p. 313) - o que nenhum membro do grupo na realidade relembra mas do qual todos foram informados repetidamente. A última delas é a que os teóricos da memória social frequentemente estudam e aplicam-na à maioria dos Evangelhos, embora seja a dimensão, dentro da primeira geração do Cristianismo, que menos se encaixa!

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Olhar antropológico sobre o Novo Testamento

Lawrence, Louise J.

Reading with Anthropology: Exhibiting Aspects of New Testament Religion
Waynesboro, Ga.: Paternoster, 2005. Pp. xix + 212.Paper.
Ao longo das duas últimas décadas um corpo significativo de literatura se desenvolveu trazendo pesquisa sócio-científica e, em particular, antropologia cultural em diálogo com a crítica[1] do Novo Testamento. Grande parte deste trabalho concentrou-se nos valores da honra e da vergonha e práticas culturais associadas com o mundo mediterrânico do 1º século. Em Reading with Anthropology: Exhibiting Aspects of New Testament Religion, Louise J. Lawrence leva a abordagem antropológica para o estudo da Bíblia a novas e interessantes direções e assim faz uma contribuição original e valiosa.

O livro foi concebido com base no modelo de uma exibição de museu, "uma seleção de objetos cuidadosamente concebida para consumo pelos espectadores"(xii). Em particular, ele "apresenta uma série de" peças" de "textos escriturais selecionados e materiais retirados de fontes antropológicas" (xii). Como a "curadora", Lawrence moldara a exposição de acordo com suas próprias idéias criativas e interesses. Ela observa, "em qualquer museu o espectador está de uma certa forma, à mercê das escolhas feitas pelo curador"(xii). Como um livro, contudo, seu trabalho envolve significativamente mais comentários sobre as "peças" do que se poderia esperar encontrar em um verdadeiro museu, e, por isso, ela orienta a sua interpretação mais minuciosamente do que seria tipicamente esperado de um curador. A orientação que ela fornece é amplamente informada pelas abordagens pós-coloniais e feministas da antropologia e críticas do Novo Testamento.

Existem duas maiores seções deste livro. "Parte I: Lendo com Antropologia" inclui os dois primeiros capítulos. O primeiro capítulo apresenta um breve panorama da utilização da antropologia e outras formas de crítica sócio-científica pelos eruditos bíblicos. Como observa a autora, esta visão não é exaustiva, mas dá um senso de algumas das mais significativas discussões sócio-científicas do passado e do presente da interpretação bíblica.

No segundo capítulo Lawrence mostra que a antropologia pode iluminar reivindicações da fé e contribuir para a investigação teológica. Ela fornece vários exemplos de estudiosos que abordaram antropologia e teologia cristã em diálogo com um outro. Em particular, ela incide sobre o missionário Charles Kraft e o teólogo Douglas Davies, ambos os quais também são antropólogos. Em seguida, introduz dois conceitos, "encarnação" e "os seres humanos como Animais Cerimoniais", que jogam em grande parte da discussão que se segue em capítulos posteriores. Ela propõe que estes dois conceitos ajudam a iluminar-fé e teologia não da perspectiva filosófica tradicional, mas através de investigações de "rituais e performances corporais" que são "poderosas mídias do sagrado" (31).

"Parte II: Exibindo Aspectos da Religião Escriturística” compreende os restantes oito capítulos. Cada capítulo, exceto o final um enfoca uma particular "exposição". No "Anexo 1 - Lendo com Praticantes Religiosos" o autor usa uma transcultural comparação com xamãs e curandeiros para discutir as representações de Jesus em Marcos e Lucas. Ela argumenta que Jesus em Marcos oferece importantes paralelismos com o xamã (individualista, guiado por transe, impulsivo), enquanto Jesus em Lucas correlaciona-se mais estreitamente com o curandeiro (comunitarista, guiado por ritual, com mais educação formal).

No "Anexo 2 - Lendo com Matreiros" a autora usa a figura transcultural do "matreiro", para iluminar a imagem de Jesus no Quarto Evangelho. Ela argumenta que o matreiro dá voz às perspectivas dos indivíduos e das comunidades que são oprimidos por estruturas de poder institucionalizado. Jesus em João, tal como outros matreiros, atravessa fronteiras culturais, rompe normas estabelecidas, e os desafios das estruturas de autoridade. Para a comunidade joanina, cujos membros viviam a experiência de um deslocamento da cultura mais ampla, Jesus ajudou a talhar novos espaços sociais "liminares" com as suas próprias estruturas sociais e normas de comportamento.


Lawrence novamente retoma o tema da resistência à dominação no “Anexo 3 - Lendo com Rituais de Resistência”, este tempo discutindo as formas em que "disposição à morte" pode fornecer essa resistência. Figuras bíblicas que jogam nesta discussão incluem os mártires macabeus, Jesus, e os mártires do Apocalipse. Lawrence argumenta que disposições à morte podem funcionar como rituais de resistência, em circunstâncias em que mártires aceitam a violência que os seus opressores inflige-lhes, mas simultaneamente rejeitam "a eficácia da dominação pelo comentário sobre as falhas dos opressores" (77).

quarta-feira, 29 de julho de 2009

"B. & T. no Centro", na blogosfera

Temos algumas traduções de resenhas de livros relacionados ao estudo bíblico espalhados na blogosfera. Confiram os links:

No blog "Despertai, bereanos": Resenha de "Making Sense of the New Testament"

No blog "Apologia", em "O Testemunho do Discípulo Amado", resenha de 'The Testimony of the Beloved Disciple: Narrative, History, and Theology in the Gospel of John'.

No blog "AD CUMMULUS", em "As mulheres no nascimento do cristianismo", temos a resenha de ‘Gospel Women: Studies of the Named Women in the Gospels’.

No blog "Cristianismo, meramente", em "Deus Crucificado por Nós", a resenha de 'God Crucified: Monotheism and Christology in the New Testament'.

Fizemos uma análise crítica da matéria publicada no portal G1, "Moisés pode não ter existido, sugere pesquisa arqueológica", aqui, sob o título provocativo "Moisés pode ter existido, sugere pesquisa arqueológica" - um exame do sensacionalismo na divulgação de pesquisas sobre temas religiosos

O Antigo Testamento à luz da evidência arqueológica



Resenha de:
Kitchen, Kenneth A. On the Reliability of the Old Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 2003. xxii + 662 pages. Hardback. ISBN 0-8028-4960-1.


O livro de Kitchen oferece ao leitor a mais exaustivamente investigada e abrangente coleção de materiais relevantes do Antigo Oriente Próximo, disponível para o estabelecimento da história do Antigo Testamento dentro do seu original e autêntico mundo. Embora não tenha sido concebida como uma história de Israel no sentido tradicional do termo, serve-se ao leitor uma melhor e mais completa do que qualquer coisa anteriormente disponível. Aqueles que leram o autor de “Antigo Oriente e Antigo Testamento” vão encontrar aqui a mesma discussão detalhada e o denso conjunto de fatos que o volume apresentado anteriormente. Considerando que o referido livro, escrito na década de 1960, cobriu material até o seu tempo, Kitchen passou agora a reunir e argüir as questões das últimas três décadas e meia, tão bem quanto anteriormente. O resultado é uma surpreendente coleção de materiais, voltada principalmente para os textos e secundariamente sobre os artefatos.

Poucos estudiosos de qualquer tendência são tão familiarizados com as fontes primárias como este autor. Poucos leram de forma mais ampla ou fizeram a sua investigação tão intensamente. Aqui está um trabalho que irá pagar as horas investidas em seu estudo com uma fonte equilibrada e baseada em entendimento do mundo por trás do Antigo Testamento e pelo tanto que contribui para um mundo cheio de apreciação da Bíblia e história.

Em seu primeiro capítulo, Kitchen apresenta sua fundamentação para a ordenação dos materiais restantes. Dividindo o Antigo Testamento em sete epopéias históricas, ele escolhe começar com as duas últimas (a Monarquia Dividida, o Exílio e o Regresso) e retrabalhar em capítulos posteriores: Monarquia Unida, Assentamentos em Canaã, estada egípcia e Êxodo, Patriarcas, e Proto-História Primeva. Esta seqüência torna o livro um pouco mais difícil de ler enquanto uma história, no entanto, é conveniente para o método do autor. Ao fazê-lo, Kitchen pode começar a partir do que é melhor conhecido e retrabalhar para os textos bíblicos que estão menos bem atestados ou mais controversos quanto à sua historicidade.

Kitchen examina a Monarquia Dividida primeiramente. Utilizando metodologia apropriada para um historiador, ele começa com as fontes primárias. Cataloga todas as referências aos governantes estrangeiros nos livros de Reis e Crônicas e, em seguida, discute todas as referências aos governantes de Israel e Judá de fora da Bíblia. Quando existe evidência comparativa dos dados provenientes do Egito, Assíria, Babilônia, Aram, Fenícia, e a Bíblia mostra uma consistência nos nomes e seqüências de governantes a que se referem. Isto fornece o essencial com o qual se revê a cronologia das Monarquias Divididas. Usando o sistema de Thiele como um ponto de partida, Kitchen examina as várias questões de múltiplos sistemas de calendários e a questão dos anos de ascensão e descensão nos sistemas de datação. Ele conclui que Thiele explica melhor os dados bíblicos sobre Manassés, e faz alguns poucos ajustes depois (datações de anos de descensão para Jeorão, Acazias II, e Joás), a fim de sincronizar praticamente todas as referências bíblicas em um dos vários gráficos úteis no livro (pp. 30-32).

O autor apresenta uma história da Monarquia Unida, utilizando as fontes disponíveis (pp. 32-45). Tal como no resto do livro, ele demonstra competência, tanto nas fontes primárias como também na discussão acadêmica corrente. Assim, o leitor descobre que as fontes demonstram faraó Shoshenq I (= Sisaque c. 945-924 a.C.) como o único Shoshenq com atividades conhecidas na Palestina. Suas obras inacabadas em comemoração de sua vitória na campanha situada em cerca de 927/6 ou 926/5, idêntico a da invasão do faraó Sisaque mencionado na Bíblia como ocorre no quinto ano de Roboão. Isso seria 926/5. Fornece um dado congruente usando uma série israelita (bíblico) independente do egípcio. Kitchen entende que a Estela de Mesha descreve uma revolta do rei Mesha de Moab contra o rei Jeorão de Israel pouco depois da morte de Acabe (c. 850 a.C.).

Aceitando a mais amplamente seguida reconstrução da Estela de Tel Dan, Kitchen conecta o rei de Israel mencionado aqui com o mesmo rei Jeorão mencionado na Estela de Mesha (embora não por um nome preservado). Este rei de Judá na Estela de Tel Dan é Acazias (II). Os dois reis foram mortos por Jeú, de acordo com 2 Reis 9, mas Hazael de Damasco tem o crédito na Estela. Entretanto, Jeú não aceitou a vassalagem de Hazael mas imediatamente recorreu para o rei assírio Shalmaneser III, presenteando-lhe com um tributo em 841, como exibido no obelisco negro. A vassalagem israelita para a Assíria começa pra valer um século mais tarde, quando Menahem paga mil talentos de prata em 740, a taxa passada para reis em fracas posições em seu país de origem.

O restante da seção discute as intervenções posteriores dos poderes da Assíria e Babilônia. Com base na análise destes registros, o autor conclui (1) que Pekah não foi derrubado por Hoshea mas exilado pelo rei assírio; (2) é improvável que Samaria caira algo diferente de 722 nas mãos de Shalmaneser V; e (3) que Ezequias pagou tributo após Senaquerib e seu exército ter recuado. Este último ponto prende-se com a questão de duas fontes distintas, em 2 Reis, relativa à batalha: uma que é considerada como factual e anterior (18:13-16) e uma que é mais tardia e teológica (18:17 através capítulo 19). No entanto, Kitchen observa que o próprio Senaquerib faz comentários teológicos ("confiando no deus Ashur meu senhor, lutei com eles e derrotei-os") em uma justificativa por escrito dentro de um ano da campanha de 701 (p. 50). Em sua discussão do ataque de Senaquerib em Jerusalém, ele considera 2 Reis 18:15-16 como contendo uma "nota de rodapé" descrevendo como Ezequias recolhera um tributo, apesar de não ter sido pago até depois do recuo de Senacherib (p. 42). Talvez versículos 13-16 podem ser melhor entendidos como um sumário recapitulativo que frequentemente aparece no início de uma narrativa hebraica. O autor analisa todos principais sítios escavados dentro de Israel e correlaciona seus estratos ocupacionais deste tempo (pp. 51-61).

Este valioso e competente inquérito fornece notas sobre possíveis eventos bíblicos e do Antigo Oriente Próximo em relação aos locais. Um resumo das informações do capítulo conclui que os três séculos e meio cobertos pela monarquia dividida podem ser correlacionados com fontes externas escritas e dados arqueológicos para fornecer um confiável relato.

Continuando no período exílico e pós-exilico do Antigo Testamento, Kitchen observa o modo como os escritos bíblicos aqui também correlacionam à linhagem de reis persas com o que é conhecido a partir de
fontes externas. Além disso, Sanballat de Samaria, sucessor de Sanballat II é conhecido do papiro Wadi Daliyeh I, e o bíblico Sanballat é referido no papiro Elefantina de 407 a.C. (p. 74). Inscrições nomeando Geshem e a família de Tobias, todos inimigos de Neemias, também foram encontradas. A fundação e controle de cultos em todo o império persa é atestada a partir de Elefantina, no sudeste egípcio para Lycia e Magnésia na Anatólia. Em Elefantina um representante judeu do imperador foi enviado para garantir a correta observação das festas judaicas, como Esdras fizera em Jerusalém.

Com a evidência para a última parte do abordado pelo Antigo Testamento, Kitchen agora passa a analisar o período anterior. Ele começa com a Monarquia Unida. Primeiro, argumenta que o período de Saul, Davi e Salomão, da décima primeira para a última parte do décimo século, foi um momento de escassez quando tanto o Egito quanto a Mesopotâmia (Babilônia e Assíria) foram ocupados com questões internas e não
deixaram registros de contatos internacionais. Nada dentre as inscrições arameas data deste período precoce. Das remanescentes inscrições fenícias e de Luvian, da Síria e Turquia, elas são quase exclusivamente preocupadas com os seus próprios assuntos. Na Palestina não há praticamente nenhuma inscrição de monumentos a partir deste período, ou mais tarde durante a monarquia. Kitchen menciona apenas um pequeno fragmento de Samaria com uma única palavra, o pronome relativo para "quem" ou "o qual". Caso contrário, ele observa a inscrição de Ekron, a Estela de Mesha, os pequenos textos e fragmentos amonitas, e a Estela de Tel Dan como tudo o que resta de Filistia, Moab, Ammon, e do sul de Aram (sem nada de Edom)1 para os textos dos monumentos históricos da Monarquia inteira (pp. 90-91). Ele está correto em ignorar a inscrição de Jeoás como também muitas questões que permanecem relativas à sua identidade.

Há também agora um fragmento de inscrição de monumento de Jerusalém ("A Fragment of a Monumental Inscription from the City of David," Israel Exploration Journal 51/1 (2001) 44-47), embora a sua parte sobrevivente parece lidar apenas com questões financeiras (tributos do templo?). Kitchen localiza o nome pessoal de Davi nas referências dinásticas a "a casa de Davi", como encontrado nas inscrições do nono século “Tel Dan” e “Mesha”. Ele também considera o nome no local denominado "as alturas de dwt" sobre o itinerário egípcio de Shoshenq I, de 925 a.C. Citando exemplos onde um egípcio "t" transcrevera um semítico "d" em vários nomes próprios, bem como outros asiáticos "Davis" (por exemplo, Twti e TT-w't), juntamente com uma versão etíope do sexto século reproduzindo “Rei David” da mesma maneira (DWT), Kitchen argumenta convincentemente para o nome situado no décimo século do sul judaico, "as alturas de Davi", como a mais precoce referência extrabíblica ao fundador da dinastia de Judá (p. 93).

Tal como muitos outros pormenores, neste volume, o próprio autor tinha publicado anteriormente como um artigo acadêmico ("A Possible Mention of David in the Late Tenth Century BCE, and Deity *Dod as Dead as the Dodo?" Journal for the Study of the Old Testament 76 [1997] 29-44) , mas aqui ele apresenta pela primeira vez como parte de uma discussão integrada
da história de Israel. O mesmo é verdadeiro para o seu modelo de mini-impérios no qual a descrição bíblica do império de Salomão teve realidades geopolíticas comparáveis com contemporâneos mini-impérios rudimentares de Tabal, Carchemish, e Aram-Zobah (pp. 99-104; cf. "The Controlling Role of External Evidence in Assessing the Historical Status of the Israelite Monarchy," pp. 111-130 in V. P. Long, D. W. Baker, and G. J. Wenham eds., Windows into Old Testament History: Evidence, Argument, and the Crisis of "Biblical Israel", Grand Rapids: Eerdmans).

É uma distintiva contribuição do trabalho de Kitchen que muito daquilo que ele escreve em seu estudo histórico representa materiais que ele
mesmo não somente tenha visto em primeira mão, mas frequentemente fora muitas vezes o primeiro a publicar, em termos de seu relacionamento com a história de Israel. Claro, ele também faz uso do trabalho que os outros fizeram. Um exemplo disto são as observações de A. Malamat sobre um texto do assírio Shalmaneser III (oitavo século a.C.), que faz referência ao seu antecessor Assur-Rabi II (1013-972). Durante o seu último reinado, o rei de Arumu capturara duas cidades a leste do Eufrates. Se Arumu é Aram, uma provável possibilidade, então este rei pode ser Hadadezer de Aram-Zobah quem atraira sobre esta área tropas para o seu exército em suas batalhas com David (2 Sam. 10:13-19). Novamente, os paralelos da Idade do Bronze Tardia para o "caminho do rei" (1 Sm. 8:11 e ss.) desafiam a opinião de que esta deve ser uma posterior inserção antimonárquica, utilizando as evidências de Ugarit, Mari, e Alalakh. Para isto especificamente ser possível, acrescenta um paralelo do século XIV ao alistamento real do v. 12 para o trabalho na terra. O texto provém da Palestina, ele mesmo como a carta de Amarna 365, de Biridiya de Megido, que usou sua corvéia para trabalhar a terra para os egípcios na Shunem (Shunama) no Vale de Jezreel.

Kitchen considera uma variedade de temas relacionados com os textos bíblicos que descrevem a Monarquia Unida. De especial interesse são regiões egípcias e adjacentes. Assim, a identidade (Siamun) e finalidade (redução da tributação), do faraó e sua conquista e o presente de Gezer para Salomão são revisados(pp. 107-112). Ao mesmo tempo, ele examina outros domínios das relações internacionais: Hiram e comércio fenício (pp. 112-115), a rainha de Sabá e o comércio de ouro e especiarias da Arábia do Sul e Leste da África (especialmente atrás montanhas do Mar Vermelho, no Sudão, pp. 115-120), e o Templo de Salomão com as suas dimensões de 105 pés por 30 pés e as suas semelhanças (três níveis de armazéns em torno de três lados do edifício, duas colunas de um pórtico, e mais um lugar santo dentro) para com templos hititas e egípcios do segundo milênio a.C., bem como o importante contemporâneo sítio sírio de Ain Dara (pp. 122-127).

Quanto ao templo, os detalhes - como três cursos de pedra seguidos por um de madeira, painéis de madeira nas paredes interiores, folheado a ouro e decoração, e vários utensílios - todos têm paralelos na Idade do Bronze e Ferro. O mesmo acontece com os outros edifícios públicos, a administração, e vários aspectos culturais do reino de Salomão, como registrado nos livros de Reis e Crônicas. Sua discussão do recente debate com relação os dados
tradicionais dos portões salomônicos e fortificações em Hazor, Megido, e Gezer é baseada em uma análise dos estratos em Hazor.

Tal como outros, Kitchen conclui que existem demasiados níveis de ocupação e destruição dentro de um período demasiado curto para a data tardia de Finkelstein e Ussishkin ser aceitável (pp. 140-150). Outro importante debate a partir da Monarquia Unida, que Jerusalém era demasiada pequena e insignificante para ser a capital de um império e que a terra da Palestina no décimo século foi amplamente desabitada, é travado. Kitchen (p. 154) observa que o inquérito do sul de Samaria resulta de quase uma centena de pequenos sítios em que a área é isolada. Ele também
observa estudos separados por Mazar e Dever que lista outros vinte ou trinta sítios em toda a Palestina, neste momento, incluídos centros fortificados. Finalmente, ele compara, nos 16o e 15o séculos, a capital do Egito, Thebes, durante o tempo da criação do seu império do Reino Novo. Foi também uma pequena vila ou cidade.