segunda-feira, 19 de março de 2012

O Quarto Evangelho e a Busca do Jesus Histórico: Modernos Fundamentos Reconsiderados

The Fourth Gospel and the Quest for Jesus: Modern Foundations Reconsidered
Paul N. Anderson
Edinburgh: T&T Clark, 226 pps.


Resenha por Annang Asumang


Paul Anderson é Professor de Estudos Bíblicos e Quakers na Fox George University, EUA. Como co-presidente do grupo "João, Jesus, e História", da Society of Biblical Literature, ele esteve envolvido nos esforços para corrigir a crescente marginalização do Evangelho de João nas discussões acadêmicas sobre a vida e o ministério do “Jesus Histórico”. Como o subtítulo indica, este livro tem por objetivo analisar criticamente vários dos pressupostos fundantes que levaram a esta moderna " ‘desistoricização’ de João e sua implicação direta: a ‘des-joanificação’ de Jesus"( p. 2). Em certa medida, Anderson estabelece com sucesso boas razões para questionar algumas desses suposições. Esta é a força principal do livro.

Anderson define a sua banca no capítulo introdutório, argumentando que há uma alargamento do fosso entre estudiosos 'tradicionais' e 'críticos' em abordagens para as questões históricas no evangelho de João. O “rebaixamento de João para os cânones da Cristologia e da teologia" pelos estudiosos críticos , argumenta ele, resultou na estado de coisas em que "as investigações sinóticas do Jesus da história pode portanto, ser realizada livre das idiossincrasias de João, ‘o evangelho dissidente' , e a história do material de João pode ser atribuída a . . . à imaginação teológica do quarto evangelista"(p. 2).

Esta situação é inaceitável para Anderson, já que todos os quatro evangelistas eram teólogos igualmente motivados pela mesma agenda para apresentar a boa nova de Jesus Cristo. No entanto, Anderson adverte que seu objetivo não é gerar um conflito de erudição "crítica" versus "tradicional", mas sim para gerar uma abordagem "intencionalmente sintética e integrativa" (p.4) entre os dois campos. O seu ponto é a de que não há necessidade de forçar uma escolha "dicotômica entre João e os Sinópticos" (p.5). Com este cenário em mente, Anderson tem o resto do livro para colocar as diversas hipóteses subjacentes das abordagens modernistas para João, que são de longe as perspectivas dominantes na pesquisa acadêmica joanina, sob escrutínio. Na Parte I, ele analisa o contexto histórico da marginalização do evangelho de João. Ele observa que a historicidade de João não era questionada até o século XVIII, quando as comparações entre João e os Sinóticos tornaram-se uma séria diligência acadêmica. A partir de então, um pressuposto de "três contra um" resultou em João ser classificado como um minoria, e, portanto, uma voz dissonante. Ele observa, no entanto, que "com o aparecimento eventual da prioridade de Marcos, a difamação - 3 contra 1 - de João cai por terra"(p. 17). João deveria ter sido re- instalado como um parceiro de conversa com Marcos, ao invés de ser isolado.

Depois Anderson examina a influência imensa do comentário de Bultmann de 1971 nesta trajetória histórica de marginalização de João. Bultmann, ele argumenta, esteve "disposto a atribuir a maior parte da narrativa do evangelho a origens mitológicas contemporâneas"( p. 19). Esta interpretação mitológica essencialmente minou a historicidade do quarto evangelho. Os detalhes topográficos e arqueológicos de João, que para Anderson são notavelmente mais minunciosos e benéficos para a pesquisa do Jesus histórico, têm sido largamente ignorados. Os esforços de Käsemann, Dodd, Robinson, Morris, Carson e Blomberg para "reabilitar" João são notados, mas essas tentativas não levaram a qualquer revisão significativa da marginalização dominante do evangelho de João.

Em seguida, as várias hipóteses propostas para explicar as relações João-Sinóticos: Dependência Marcana, Desenvolvimento Midráshico, Drama Historicizado e Teoria das Duas Edições, todos são examinados por Anderson e encontraram carência . Em vez disso, ele propõe que João foi escrito a partir de uma tradição independente, mas não em isolamento e reclusão dos sinóticos. Tanto nas fases oral e escrita dos evangelhos, o evangelho de João foi desenvolvido em uma conversa dialógica com todos os outros evangelhos e com Marcos em particular. “O relacionamento de João com Marcos foi interfluencial, aumentativo e corretivo; o relacionamento de João com Q foi formativo, e talvez interfluencial; a relação de João com Lucas fora formativa, ordenada e teológica; e o relacionamento de João com Mateus foi reforçante, dialética e corretiva" (p. 40). Esta última frase resume talvez, não apenas a mensagem principal deste livro , mas também serve como a essência do que é expandido no restante dele.

Na Parte II, Anderson ainda avalia algumas das semelhanças e diferenças entre João e os sinóticos e examina as várias abordagens em lidar com eles. Ele, então, utiliza a abordagem interinfluencial para propor um número de explicações sobre as diferenças. Basicamente, João é um teólogo profundamente reflexivo que teve também de ter mais tempo para reformular e reavaliar sua compreensão de Jesus. Ele observa que "alguns aspectos do testemunho de João mostram sinais de que está sendo trabalhado para os leitores e ouvintes de Marcos"( p. 75). Anderson oferece várias avaliações equilibradas das diferenças, tais como o ministério de João Batista tratado por Marcos e o quarto evangelho, e do "segredo messiânico" em Marcos contra as auto-declarações de Jesus em João. Isto é muito útil, pois revela neste livro que João pode ser entendido como em conversação e não em conflito com Marcos.

Na Parte III, Anderson aplica a sua proposta de interfluencialidade para explicar as relações entre João e os Sinópticos. De muitas maneiras, essa parte repete vários dos apontamentos que já foram feitos. No entanto, um diagrama conceitual (p. 126) ajuda a resumir o ponto de vista de Anderson das complexas relações entre os evangelhos. Na Parte IV, Anderson argumenta que uma vez que, em grande medida, Mateus e Lucas dependerão e desenvolverão Marcos, e João é independente, em conversação com Marcos, o conceito de evangelhos "sinóticos" deve ser substituído por um novo conceito de evangelhos “bi- ópticos", isto é, temos essencialmente duas tradições que refletem sobre o Jesus histórico; com algum material adicional a partir de Q.

Embora esta não é a primeira vez que Anderson fizera tal proposta (ver, por exemplo, Anderson 2001:175-88) [1], permanece a ser visto o que outros acadêmicos parceiros podem visualizar desta abordagem. Evidentemente, Mateus e Lucas não foram teólogos insignificantes, um ponto que o próprio Anderson também admite. Em qualquer caso, não se pode estar muito longe da verdade suspeitar que João preferiria pretender ser admitido à mesa de quatro ao invés de cotovelar Mateus e Lucas para fora da mesa.

A parte V, final, traz juntas descobertas de Anderson e sugere algumas implicações. Ele adverte contra a rejeição de João baseada, entre outras coisas, nas reivindicações exageradas "sobre a apresentação de João da preexistência e divindade de Jesus" (p. 177). Por outro lado, “ o denegrir a historicidade de João é repleto de problemas insuperáveis"( p. 180). O que é necessário é " uma postura mais adequada de considerar a contribuição distintiva de João em termos de sua origem e desenvolvimento autônomo"(p. 181). Este objetivo modesto de Anderson é, talvez, uma das principais realizações deste livro.

Eu posso reunir apenas duas pequenas críticas contra tal um livro excelente. Em primeiro lugar, a organização dos resultados dos materiais em várias repetições. O autor claramente definiu o material de tal modo a gerar o diálogo e conversação, certamente com estudiosos “críticos”. No entanto , as discussões sobre vários assuntos levam a um número de duplicações dispersivas.

Uma segunda crítica e mais trivial ainda pode ser relevante, uma vez que outro resenhista também tem feito um apontamento semelhante (ver Painter 2008) [2]. Apesar de Anderson ter como objetivo gerar o diálogo, partes do livro são polêmicas. Afirmações como "o meio de vida e carreira de um erudito podem depender em distinguir-se como um acadêmico de rígida mente científica ao invés de um tradicionalista de coração mole”, e "nenhum estudioso quer ser encontrado como abraçando uma visão ingenuamente tradicionalista" ( 2007:45) podem muito bem ser uma avaliação precisa do estado de coisas nos Estudos Bíblicos.

No entanto, na opinião deste resenhista, a rotulagem, nomeadamente de parceiros de diálogo poderia entrincheirar visões ao invés de unir campos. Não há dúvida de que o autor sente fortemente sobre o assunto e tem como objetivo questionar certas assunções e normas fortemente arraigadas nos círculos acadêmicos. Ou talvez o tom áspero em uma ou duas páginas do livro pode servir para trazer à tona o problema da aceitação acrítica de suposições 'críticas'. Se espera que a segunda questão seja o caso.

Não obstante essas objeções triviais, o livro de Anderson pode vir a ser uma das principais publicações que podem contribuir para a 'restauração' do Evangelho de João para o seu lugar de direito como um parceiro em igualdade de condições com os sinóticos nas discussões acadêmicas do “Jesus Histórico”. 



[1]Anderson, Paul N. 2001. “John and Mark—the Bi-Optic Gospels” in Robert Fortna and Tom Thatcher (eds.), Jesus in Johannine Tradition (Philadelphia: Westminster / John Knox Press); 175-88.  


[2]Painter, John. 2008. Review of Paul N. Anderson, The Fourth Gospel and the Quest for Jesus: Modern Foundations Reconsidered, Review of Biblical Literature.

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