sábado, 22 de maio de 2010

Escritura, Cultura e Agricultura: Uma Leitura Agrária da Bíblia

Scripture, Culture, and Agriculture: An Agrarian Reading of the Bible
Cambridge: Cambridge University Press, 2009.


de Ellen F. Davis


P.S. Recomendadíssimo!!! Observação: Confiram a Agricultura Familiar no Censo Agropecuário 2006


Resenha por Philip F. Esler
Originalmente publicada na Review of Biblical Literature




Para quem acredita que o Antigo Testamento é uma voz poderosa em prol da nossa utilização sustentável dos recursos do planeta (o que alguns negam), mas está insatisfeito com as tentativas atuais para demonstrá-lo (por exemplo, a muita desgastada idéia de “mordomia”), o livro de Ellen Davis: Scripture, Culture, and Agriculture: An Agrarian Reading of the Bible – “Escritura, Cultura e Agricultura: Uma Leitura Agrária da Bíblia” é sua resposta. Este é um trabalho recente e triunfantemente bem sucedido da acadêmica sobre a questão muito importante da nossa relação com a terra, que permite uma vasta varredura do Antigo Testamento para dar vazão à sua inteligência profunda e entranhados insights morais que sempre estiveram disponíveis se apenas alguém perguntasse as perguntas certas.


Na pesquisa como na vida, a sorte favorece os audazes. De uma maneira estreitamente aparentado com o trabalho dos críticos que utilizam deliberadamente as áreas das ciências sociais como estrutura heurística para o trabalho com a referida questão nos textos bíblicos em formas inovadoras e socialmente realistas, Professora Davis voltou a teoria agrária, tipificada no trabalho de Wendell Berry (que escreveu um prefácio para este volume) e outros escritores, como Wes Jackson e Bruce Colman. Uma abordagem agrária insiste em que nos foi dada a terra para cuidar, numa atitude de reverência e humildade diante dela. Ela traz à tona a importância de nossa conexão com a memória de determinadas localidades das quais tiramos o sustento de que necessitamos.


Acima de tudo, salienta que devemos utilizar a terra de forma sustentável, para não comprometer os seus meios de sustentar-se. Ela define o ideal de pequenas propriedades intimamente ligadas com a terra e da agricultura de uma forma diversificada em nítido contraste com a agricultura em larga escala industrial do agronegócio, altamente dependente de fertilizantes e monocultura, diminuindo sem remorsos os níveis de nutrientes na terra e levando ao despovoamento das zonas rurais. Como afirma Davis em sua primeira frase, "agrarianismo é uma maneira de pensar e de ordenação da vida em comunidade, que baseia-se na saúde da terra e dos seres vivos". Agrarianismo é uma perspectiva para a tarefa de exegese, não é um método distinto.


O ponto de conexão particular (extremamente rico) entre idéias agrárias e o Antigo Testamento é que seus textos, de forma abrangente assumem um cenário agrícola, onde os pequenos agricultores em terras dificultosas e frequentemente marginais da região montanhosa da Judéia tinham que trabalhar em estreita harmonia com os ciclos e ritmos da natureza para sobreviver. Além disso, a relação dos antigos israelitas para com Deus pressupõe a sua concessão da terra enquanto permanece de pé seu uso adequado. Uma das características mais impressionantes do livro é o quanto do texto de Davis refere-se a essa configuração e essa perspectiva. Adotar uma perspectiva agrária tem sensibilizado seu olhar para tal, e tantas vezes para encontrar os dados textuais que falam a essas preocupações de forma altamente desenvolvida. Ela se permite redescobrir o Antigo Testamento como uma fonte de riqueza espantosa de estímulo, reflexão, oração e ação sobre o tema principal de nossa época.


O padrão básico dos capítulos para Davis é estabelecer um diálogo entre os aspectos particulares de pensamento agrários e leitura crítica de textos selecionados para estimular a nova interpretação, tanto histórica (enriquecer a nossa compreensão do que significava esses textos ao seu público original) e teológica (ajustando as poderosas reivindicações que eles fazem sobre aquilo com uma consideração particular para o Antigo Testamento ou as tradições dele derivadas, cristãs, judias e muçulmanas, especialmente).






Eu só posso dar um sabor de seu argumento. No capítulo 1 ela começa com a necessidade de abrir nossos olhos para o que estamos fazendo para com a fertilidade da terra, numa altura em que a tecnologia da era da informação tem reduzido muito a nossa capacidade de conhecer o mundo natural através da experiência direta. Isto leva a uma reflexão de como os profetas instruíam nossa fraca imaginação religiosa através de "melhoramento visual", incluindo vendo um mundo tornado um deserto estéril (Jr 4:23-26), de uma forma alarmante próxima dos resultados da mineração de carvão por remoção da montanha em Appalachia. Do mesmo modo, Isaías 24:1, 3-4 traz o horror da destruição causada na terra, ao se quebrar a Aliança. Se sofrer a dor de ver, podemos ajudar as nossas comunidades a "re-lembrar-se", para trabalhar em conjunto para a sua própria integridade e a da criação.


No capítulo 2 Davis percorre um longo caminho para fundamentar a sua alegação de que através da leitura dos escritos agrários contemporâneos podemos nos tornar melhores leitores da Escritura. A idéia inicial é que uma abordagem agrária em primeiro plano que vise que a agricultura tem " inevitavelmente uma dimensão ética " (22). Nesta perspectiva, o fator puramente monetário da condução do agronegócio qualquer dano ecológico que cause é eticamente problemático. A imagem bíblica de como deve ser ligada à terra surge em passagens como Salmo 85 e Dt 11:10-12.


Muitas partes da Escrituras Hebraicas articulam uma mensagem clara sobre o nosso respeito e cuidado para com a terra e, inversamente, a sua destruição (28).
No capítulo 6 Davis incide sobre as economias locais de alimentos, que caracterizam a agricultura em pequena escala praticada pelos antigos israelitas e modernos agricultores agrários e seus cuidados íntimos com a terra, que em seu cultivo diversificado pode realmente produzir uma maior produção total por hectare do que em monocultivo de escala industrial. As explorações de menor escala também levam a comunidades locais mais vibrantes. Ela mostra como na Bíblia hebraica a palavra nahala representa um complexo de idéias para manejar a posse da terra, incluindo a espiritualidade interior de um lugar particular, onde o cultivo foi realizado em espaços ecológicos frágeis.
"A utilização gentil" dos modernos agricultores agrários é aparentada com sétimo ano, o “a cessação sabática" (Levítico 25:4, 5; 26:34), que fortemente enfatiza o fato de que a terra pertence a Deus. Este capítulo também contém uma ótima interpretação da história de Acabe e da vinha de Nabote (1 Rs 21), como ilustra a colisão entre uma economia local de Israel com base na subsistência e uma economia controlada pelo Estado produzindo excedentes de culturas específicas. Salmo 37, Davis argumenta, representa a restauração de Deus da ordem correta.


O capítulo 8 trata das respostas de Amós, Oséias, Miquéias e Isaías da latifundiarização da terra em Israel e Judá no século VIII a.C., o que levou a terra anteriormente dedicada à cultura de subsistência sendo entregue aos grãos, pecuária, vinho e produção para exportação para gerar renda para sustentar o estilo de vida rico das elites urbanas. Aqui ela oferece uma fascinante comparação entre este corpus profético e o papel da poesia Celta recitando no ressurgimento da propriedade da terra das comunidades locais na Escócia. Embora a situação no século VIII a.C. tenha sido bem percorrida pelos pesquisadores como Marvin Chaney, Davis faz muitas novas contribuições.


Por exemplo, ela destaca preocupação de Amós para com o solo fértil, com adama, "terra arável", aparecendo dez vezes. Ela também argumenta contra leituras de Oséias que interpretam sua obra como um ataque a líderes religiosos dedicados a cultos de fertilidade, e não como em causa o bom relacionamento com a terra, na medida em que os sacerdotes são criticados por seu envolvimento na agricultura de commodities. Assim Oséias 9 mostra "uma mistura perfeita dos temas da sexualidade e da alimentação, dos filhos e da colheita, do amor e da adoração e da economia e ‘política internacional’ "(135).


Como muitas contribuições poderosamente originais para a interpretação bíblica e a teologia, este belo livro, inevitavelmente, deixa uma pergunta, para onde vamos daqui? A rota óbvia reside no estímulo que Davis provê insights à introdução do Antigo Testamento para a tarefa prática da humanidade de abraçar formas mais sustentáveis de agricultura. Davis não é anticiência; freqüentemente ela se refere aos cientistas que trabalham de forma simpática às preocupações agrárias. Isto é importante porque a manutenção de ecossistemas saudáveis é hoje de grande interesse para um número crescente de cientistas em todo o mundo. Davis cita o exemplo de como as autoridades de Nova York sensatamente decidiram reabilitar a área de terra de onde uma grande parte da água potável da cidade era derivada ao invés de instalar equipamentos de filtragem caros, também sendo mencionado nas conferências científicas de ecossistemas. Ao mesmo tempo, os governos com o comércio e os programas de ajuda aos países em desenvolvimento estão cada vez mais descobrindo que é essencial incentivar economias locais, iniciativas de pequena escala, se os investimentos estão sendo eficazes.


A perspectiva excitante que emerge desta é a geração de um diálogo frutífero entre a interpretação bíblica agrária da qual Davis foi pioneira e estes novos desenvolvimentos na ciência e na ajuda ao desenvolvimento. Este diálogo poderia reunir especialistas e população em geral, para ajudar-nos a todos a compreender melhor as questões e obter apoio para sua solução, situando-os dentro de um contexto bíblico que agora emerge como soberbamente produtivo de introspecção e reflexão. Aguardo ansiosamente a uma grande conferência internacional sobre o tema "Ciência de Ecossistemas e a Bíblia Agrária: Explorando as sinergias para construir um futuro sustentável".

Um comentário:

  1. É algo inusitado um blogueiro comentar na sua própria postagem, rsrs. Mas um reforço que dou para a recomendação deste livro vem através de uma nota autobiográfica, que ilustra o quanto fiquei feliz e contemplado pela proposta, me encontrando também na leitura dela.

    Sempre fui um urbanóide, ou seja, uma pessoa urbana com preconceito da roça. Tive traumas até de experiências, na adolescência e pré-adolescência. Mas algo no meu coração apontava para a frugalidade, singeleza, rusticidade e tenacidade da vida rural. Assistia também a programas televisivos.

    Cursei agronomia, e tive contato com escritos e experiências com propostas para uma agricultura que contempla preservação e justiça ambiental, justiça social, eficiência comequidade econômica, integração cultural. Agroecologias. Reforma Agrária - que vai muito além de compra e distribuição de terras, que é o que é feito no Brasil. E junto com colegas, fundamos o Núcleo de Agricultura Sustentável do Cerrado, NASCer, um grupo de estudantes articulado em pesquisas, debates, atividades e promoção da agroecologia, reforma agrária e temas de interface. Tivemos experiências de pesquisa participativa, projetos de extensão, e hoje colegas são mestrando e doutorandos, outros trabalham em ONGs, com pesquisa, assistência técnica pública e privada, etc.

    Trabalhei em ONG e hoje sou funcionário efetivo, engenheiro agrônomo, do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA. http://www.mda.gov.br/

    Poder ver como a espiritualidade e a fé iluminam essa caminhada, abrem perspectivas, movem-nos a motivações últimas, e nos integram como um todo enquanto pessoas, é indescritível. Ainda mais através de um trabalho com propriedade e rigor, sem forçações de barra ou meros apelos de constrangimento, que é muito comum de se ver.

    Ótimo para discussões de grupo, para engendrar pesquisas, estudos nas igrejas, academia, seminários, e deleite e edificação particular.

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