domingo, 6 de setembro de 2009

Como a Ressurreição Faz Sentido?

Como entender a esperança cristã da ressurreição do corpo no contexto da ciência moderna? Um físico e Membro da Royal Society, e sacerdote anglicano, explica como ele traz suas pesquisas científicas para dar suporte a sua fé pascal. John Polkinghorne fora outrora presidente do Queens' College Cambridge.

Que é uma pessoa humana? Uma batidinha de leve na cabeça com um martelo vai mostrar que nós dependemos de uma forma essencial em nossos corpos. Portanto, somos simplesmente organismos, seres puramente materiais? E sobre a alma? Em muito na história do pensamento cristão, e em muito na piedade popular, as pessoas têm o pensamento de si como se fossem anjos noviços. Nesse caso, o "verdadeiro eu" seria um componente espiritual, aprisionado em um corpo, mas aguardando libertação com a morte. Hoje, essa é uma crença cada vez mais difícil de sustentar.



Estudos de danos cerebrais e os efeitos das drogas mostram como nossas personalidades são dependentes do estado do nosso corpo. Charles Darwin ensinou-nos que a nossa ascendência é a mesma que a dos outros animais. A Terra foi uma vez sem vida e a vida parece ter surgido a partir de interações químicas complexas. Muitos cientistas pensam que nós não somos nada,mais que coleções de moléculas e eles escrevem livros populares para afirmar esta crença.

No entanto, isso também é uma coisa muito esquisita para se crer. Poderia apenas um monte de produtos químicos escrever Shakespeare ou compor “O Messias” de Handel, ou descobrir as leis da química, para essa questão? Há algo mais para nós do que o meramente material.
No entanto, o que quer que o algo extra seja, de forma segura é intimamente ligado ao nosso corpo. Nós somos um tipo de “conjunto de códigos”, mente e corpo intimamente relacionados e não inteiramente destacáveis um do outro. É um enigma.

Curiosamente, uma pista sobre como lutar com o problema pode ser oferecida a nós pela própria ciência moderna. Pois um novo tipo de paradigma científico está em cena. É chamado de
"
teoria da complexidade"; estudemos exemplos particulares até apenas o alcance do estágio da história natural.

Físicos naturalmente começaram por considerar os mais simples sistemas disponíveis. Afinal, eles serão mais fáceis de entender. Recentemente, o uso de computadores de alta velocidade ampliou nossa gama científica. Como sistemas complexos começaram a ser explorados, uma realização inesperada ocorreu. Frequentemente esta acabara tendo um comportamento bastante simples, em geral ordenada em algum padrão surpreendente.

O aquecimento de água em uma panela pode fornecer um exemplo. Se o calor é aplicado com cuidado, a água circula a partir do fundo de uma forma notável. Em vez de apenas fluir daí de qualquer maneira, ela forma um padrão de células hexagonal, um pouco como um favo de mel. Este é um fenômeno espantoso. Trilhões de moléculas têm de colaborar e se mover juntas, a fim de gerar o padrão. O efeito é um exemplo simples de um novo aspecto da natureza que os cientistas estão apenas começando a aprender.

Tradicionalmente, os físicos pensaram em termos de bits e peças que compõem um sistema complexo. O intercâmbio de energia entre esses bits e peças parece extremamente complicado. Acontece, porém, que se você pensar sobre o sistema como um todo, pode haver esses padrões de comportamento global notavelmente ordeiro. Em outras palavras, existem dois níveis de descrição. Um envolve energia e bits e pedaços. A outra envolve todo o sistema e seu padrão. Neste segundo nível, usando linguagem computacional, poderíamos dizer que o que temos de refletir a respeito é sobre a informação que especifica o padrão.

Nós nos acostumamos com o conceito de ciberespaço - o domínio da informação acessível através de nossos computadores. Esse mundo é um artifício humano, um mundo de realidade virtual. Estamos tão habituados à idéia, de fato porque é tão inconscientemente familiar, que vivemos em um mundo de intrínseca capacidade de geração de informação, o mundo da realidade verdadeira e assim o mundo da criação de Deus.



Podemos tomar com a devida seriedade tudo o que a ciência pode nos dizer sobre nós mesmos e este mundo e ainda acreditar que Deus vai se lembrar dos padrões que nós somos e recriá-los quando ressuscitados para a vida do mundo vindouro. Como cristãos, sabemos que esta não é uma mera possibilidade teórica, pois temos a ressurreição de Nosso Senhor como a antecipação e garantia, promulgada dentro da história, do destino que nos espera para além da história.

Nós, seres humanos estamos imersos nesse domínio de ser no qual padrões de energia e de informação se complementam. É um mundo mais completamente rico do que a sua pálida sombra no ciberespaço, pois as pessoas são muito mais do que computadores feitos de carne. A nossa capacidade de se pôr a pensar, incluindo nosso acesso ao significado e às verdades matemáticas que não podem ser estabelecidos dentro dos limites da formulação puramente lógica que podemos considerar, mostrar que transcendemos as limitações do meramente computacional.


Pode-se perguntar o que tudo isso tem a ver com a alma humana e coerente esperança. O que quer que a alma possa ser, é seguramente a pessoa "real", ligando o que somos hoje com o que fôramos no passado. Esse verdadeiro eu certamente não é a matéria do meu corpo, que está mudando o tempo todo, através do comer e beber, uso e desgaste. Temos muito poucos átomos em nossos corpos que estavam lá há cinco anos. O que providencia a continuidade é certamente o padrão quase infinitamente complexo no qual a matéria é organizada. Esse padrão é a pessoa real, e quando falamos sobre a alma, é a isso que estamos nos referindo. A ciência infante da teoria da complexidade nos encoraja a tomar este tipo de pensamento muito a sério.


Essa forma de pensar dificilmente necessita vir como uma surpresa para os cristãos. Afinal, os antigos hebreus certamente não pensavam os seres humanos como anjos noviços. Eles aceitavam a visão do “conjunto de códigos” de que somos corpos cheios de vida. São Tomás de Aquino pensou o mesmo. Ele ajudou a Igreja a se libertar da camisa de força do pensamento platônico que lhe foi aplicada através da grande influência de Santo Agostinho, com sua dependência de uma imagem dualista de corpo e alma como entidades distintas. Em vez disso, Aquino fez uso das idéias então recém-recuperadas de Aristóteles. No pensamento aristotélico, a alma é a "forma" (isto é, o padrão) do corpo.


Nestes termos, podemos compreender de forma coerente a grande esperança cristã de um destino além da morte. Essa esperança é para ser expressa nos clássicos termos de morte e ressurreição, e não em termos espiritualistas de "sobrevivência". A morte é real e um final real, mas não é o fim definitivo, pois só Deus é definitivo. A última palavra sobre o destino humano não se encontra com o fato da morte, mas com o fato maior de um fidedigno Criador e Redentor misericordioso.


Evidentemente, no que concerne à encarnação na matéria deste mundo, o padrão individual que é a alma humana será dissolvido com a morte. Faz sentido, no entanto, crer que Deus vai conservar esse padrão na memória divina e, em seguida, reincorporá-lo no ambiente da nova criação na ressurreição dos mortos.


Nossa esperança real de que a morte não é o fim tem que depender de nossa crença na fidelidade de Deus. Apelar para esta fé foi exatamente a maneira na qual Jesus contrapôs a descrença dos Saduceus (Mc 12, 18-27). Ele lembrou-lhes de que Deus era o Deus de Abraão, Isaac e Jacó. Os patriarcas importaram para Deus uma vez e então eles devem importar a Deus para sempre. O Deus de Israel é "Deus, não dos mortos mas dos vivos". Se importamos para Deus agora, como nós certamente importamos, então vamos importar a Deus para sempre. Na morte, não devemos ser postos de lado como vasos quebrados em alguma pilha de lixo cósmico. Os seres humanos não são naturalmente imortais, mas o Deus fidedigno nos dará um destino para além das nossas mortes.



Dr. John Polkinghorne trabalhou com física teórica de partículas elementares por 25 anos; foi professor de física matemática na Universidade de Cambridge e presidente do “Queens’ College”, em Cambridge. É membro da “Royal Society”, foi o presidente fundador da “International Society for Science and Religion” (2002-2004), foi um dos fundadores da “
Society of Ordained Scientists” e é autor de vários livros sobre ciência e religião - traduzidos no Brasil: Além da Ciência; Explorando a Realidade; Um Cientista Lê a Bíblia. Fora ordenado Ministro Anglicano em 1982 e de 1986 a 1989, reitor da Capela do Trinity Hall, em Cambridge.


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